sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pessoas.

Você é garçonete e eu sou cliente, você é motorista e eu sou passageiro, você é pedestre e eu sou ciclista, você é bibliotecário e eu sou leitor, você é uma coisa eu sou outra coisa.
E neste momento de fazer/ser assumimos posturas, gestos, falas e interpretamos alguém diferente a cada instante.
Fomos treinados para isso. Treinados para andar de bicicleta, subir no ónibus e pagar passagem, vestir a roupa adequada para cada ocasião.
Se não fosse assim estaríamos perdidos num mundo estranho. O que fazer neste local cheio de livros? Posso pegar da prateleira? Tenho que pedir para aquele senhor atrás da escrivaninha.
Cada detalhe é aprendido, regras assimiladas através de um mentor ou de imitação.
É tanto detalhe no dia a dia para sermos a cada momento alguma coisa, que quando o ser social se aposenta, fica feliz que agora pode relaxar e descansar. Mas neste momento ele tem que deixar de imitar, de interpretar, para ser ele.
Você, neste momento não é mais estudante, fiscal, engenheiro, médico. É somente você, senhor Rodrigo, senhora Maria, Senhor Eduardo.
Neste momento vem o susto, mais um velho. Não é ninguém. Pois na vida inteira alimentou a fantasia do jaleco, do guarda-pó, do uniforme. Da fantasia que trazia o sustento necessario da continuidade da fantasia da família.
Agora tem construir a tua identidade, ou relembrar as interpretações passadas. Que se ninguém escrever, filmar, gravar, vai morrer contigo em algumas lembranças perdidas.
Doutor, capitão, mestre, titular. Alguns preferem morrer exercendo a profissão. Medo da aposentadoria.
Então futuro engenheiro. Que entra no onibus e finge que não ve os outros, afinal, são meros passageiros entre 150 apertados naquela lata conduzido por um motorista como todos os motoristas. Olhe para as pessoas. Descubra que não são meros passageiros. Cada um é rico, tem sua história, porta um nome que identifica o perigo e a solução, o amigo e o indiferente.
Não são pedestres a nossa volta. Banalizamos por defesa, já tem tantas regras para decorar. Agora pessoas?
Numa capital passam por você 3985 pessoas numa caminhada de 10 quadras. Não é exatamente este numero, num dia de final de copa com jogo do Brasil é capaz de cruzar apenas com 5 no mesmo trajeto.
Nosso cérebro cabe numa tigela. Não temos tanta capacidade de valorizar tanta gente. Mas isso não é desculpa para sorrir para quem está na tua frente. De aprender sobre si e sobre o outro.
Essa essência tem mais valor que a máscara mundana que faz que você despreze o gari, o lixeiro, o motoqueiro da pizza, a tia que limpa o banheiro. Pois a máscara deles é mais humilde.
Então cabeça de tigela. Acorde, que atrás dessa vestimenta de teatro, todos temos uma essência que não deve ser esquecida e que precisa ser estimulada. O mundo é mais que máquinas, perfumes, tom de voz autoritário e palavras bonitas e seres humanos.
Tanto para ver, tanto para sentir, para participar com os outros. Quando perceber isso pode pensar que é tarde demais. Cansado para continuar.

Um comentário:

  1. Que texto profundo! As pessoas se prendem a fatos, mas tudo o que há são possibilidades. Tudo está em contínua mudança e, aquele que hoje observa do alto, pode amanhã tropeçar e rolar escada abaixo. Não devemos perder a essencia. Caso contrário, perderemos o essencial.
    Gostei muito daqui!
    Beijo grande!

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